CLARIFICAÇÃO NA CERVEJA


E aí, rapaziada! Como vão as brassagens? Hoje vamos abordar um tema bacana: clarificação da cerveja. Para se entender como se clarifica, precisamos encontrar as causas da turbidez. Então, vamos lá!
Quando elaborei este resumo, optei por dividir em duas partes: turbidez biológica e não biológica. Com essa separação, podemos esquematizar o estudo e analisar bem as causas, propondo soluções. Também produzi vídeos sobre o assunto, caso queira vê-los, estão abaixo, antes do post.



INTRODUÇÃO

Na maioria dos estilos, a limpidez é sempre um bom indicador de domínio de partes do processo, qualidade de insumos e até mesmo do produto final.
Dentro da escala caseira, conseguir uma boa clarificação vai além da questão estética, ou enquadrar no estilo. Isto demonstra uma grande perícia, um excelente domínio de técnica, pois, em casa, dispomos de menos recursos para atingir os parâmetros exigidos pelo estilo.
Para fazer uma análise de como atingir uma boa limpidez e quais os fatores por trás disto, vamos separar em tópicos. Para escolher estes tópicos, vamos fazer um pente fino e selecionar os pontos de relevância para a escala caseira aqui no Brasil.


ORIGENS DA TURBIDEZ, SEUS IMPACTOS E COMO EVITAR

Basicamente existem 2 causas que devem ser avaliadas quando se fala em turbidez: biológica e não biológica. Em resumo, a turbidez biológica está associada à levedura, já a não biológica está relacionada a compostos que reagem e se aglutinam, dando o aspecto opaco à cerveja.

1 – A TURBIDEZ BIOLÓGICA


1.1 – CAUSAS

A turbidez biológica é causada por células de levedura em suspensão. Isto pode estar relacionado à capacidade de floculação da levedura e quantidade de levedura no sistema, bem como a falhas no processo.

1.2 – IMPACTOS NA CERVEJA

O principal impacto que se pode citar é no sensorial, logo na apresentação da cerveja. Talvez soe como frescura, contudo, a apresentação de uma cerveja turva, sem que seja pedido do estilo, ou até mesmo em exagero, quando solicitado pelo estilo, desmerece o produto. Ao público não inserido no meio, que está acostumado ao mercado, cervejas brilhantes são esperadas e poderá chocar. Já ao público envolvido com a cultura, a apresentação de uma cerveja com turbidez biológica dá indícios de imperícia, de desleixo.


Outro ponto é o próprio sabor e aroma de levedura que este excesso levará para a cerveja. Por mais que passe pela avaliação visual, no olfativo e gustativo é difícil passar desapercebido, ainda mais para o público acostumado com cervejas de fermentação limpa e cerveja filtrada. O fermento possui sabor e aroma intensos, que roubam a cena e se sobrepõem às outras características da cerveja.
Em qualquer aspecto sensorial, não é desejado, portanto, vejamos como evitar (abro parênteses para falar que a turbidez biológica de alguns estilos é desejável, mas em níveis não excessivos).

1.3 – COMO EVITAR

A partir do exposto, podemos deduzir alguns cuidados a tomar para se evitar este tipo de turbidez:

• Selecionar leveduras de alta floculação. Claro, isto nem sempre é possível, haja visto que certos tipos de cerveja são produzidos justamente com cepas de baixa floculação, como o Weiss. Entretanto, podendo agregar características desejadas com alta floculação, é sempre um ótimo caminho a seguir;
• Inocular a quantidade correta de levedura. Fazendo isto, além de garantir que não haja levedura em excesso para dificultar a clarificação, estará garantindo a quantidade ideal de células para realizar uma fermentação saudável, que exponha o potencial da levedura e suas características (produção de ésteres é afetada por over pitching, por exemplo);
• Utilizar fermento com baixo número de reutilizações, assim evitando mutações;
• Fazer a correção da água, inserindo as quantidades ideais de Ca2+ (50-150 ppm), que auxilia na floculação da levedura (e outros compostos);
• Realizar corretamente o cold crash, assim garantindo a decantação da levedura (não somente da levedura, como veremos à frente);
• Durante o envase, evitar chacoalhar e inclinar o fermentador no final (famosa tombadinha), assim evitando levar resíduos indesejados para o recipiente final;

Com estes cuidados, boa parte da turbidez biológica é evitada (ênfase na seleção de levedura de alta floculação sempre que possível e um cold crash bem feito).

1.4 – OUTROS AGENTES

Vale ressaltar que a turbidez biológica, por mais que intuitivamente seja relacionada à cepa utilizada para a fermentação, pode ser relacionada a um problema de contaminação, seja por bactérias ou por leveduras selvagens. Portanto, todos os cuidados com sanitização e higiene durante o processo também entram como forma de se evitar a turbidez (e problemas mais sérios, como a perda do lote, garrafas bomba e riscos à saúde).


2 – TURBIDEZ NÃO BIOLÓGICA

A turbidez não biológica acaba por ser a turbidez que mais afeta a cerveja, além de a mais difícil de se resolver. Neste aspecto, é um problema multifocal, que abrange desde a moagem e mash, até fervura e cold crash.

2.1 – CAUSAS

As causas deste tipo de turbidez são muitas, podemos listar algumas:

• Excesso de íons na água, como Fe2+, Fe3+, Cu2+ e Ca2+ (o mesmo que auxilia na clarificação), por exemplo;
• Açúcares residuais complexos;
• Polissacarídeos (amido);
• Proteínas de médio e alto peso molecular;
• Formação de complexos de proteínas e polifenóis;
Destas causas, destaca-se a formação de complexos de proteínas e polifenóis. Mas por quê? Pela formação da chill e permanent haze. Vamos analisar como isto ocorre.

2.2 – CHILL HAZE E PERMANENT HAZE

Chill haze é a turbidez que surge na cerveja quando exposta a temperaturas próximas a 0oC. É uma turbidez temporária que desaparece quando a cerveja torna a atingir temperatura ambiente (acima de 15oC).
Os vilões desta turbidez são os polifenóis e as proteínas, que se unem em aglomerados e aparecem na cerveja em forma de turbidez.
Os polifenóis se polimerizam e podem se oxidar, dando origem a aglomerados de taninos, que interagem com proteínas através de ligações de hidrogênio, assim surgindo a turbidez temporária.


O mecanismo de aparição se dá por solubilidade. A solubilidade cai com a queda de temperatura, assim, quando se resfria a cerveja, ocorre a precipitação destes aglomerados, que tornam a se solubilizar na cerveja quando a temperatura sobe.
Contudo, a aparição de chill haze é um indicativo forte de que poderá haver o permanent haze, que, como o nome sugere, é permanente. Aqui há a ligação entre os aglomerados responsáveis pela chill haze, gerando aglomerados mais complexos e insolúveis, que turvam a cerveja, mesmo em temperaturas mais elevadas.
Todos estes fatores são condensados no que é chamado de estabilidade coloidal da cerveja. A estabilidade é gerada desde a malteação dos grãos, passando por uma moagem adequada, em um mash corretamente realizado e todos os demais passos do processo cervejeiro, como lavagem e fervura. Assim sendo, vamos analisar como evitar este tipo de turbidez.


2.3 – COMO EVITAR

Evitar turbidez não biológica é um processo complexo, para isto, alguns passos adequados são:

• Comprar insumos de procedência, que tenham bons índices na malteação;
• Realizar um mash adequado;
• Fazer lavagem em temperaturas inferiores a 75,6oC e sem volume exagerado;
• Controlar o perfil físico-químico da água utilizada (íons e pH);
• Manter fervura intensa;
• Utilizar agentes aglutinantes, como whirfloc;
• Realizar resfriamento rápido;

2.4 – COMO CORRIGIR

Notando-se a presença de chill haze em etapa avançada do processo, como após a fermentação, a primeira preocupação que se deve ter é minimizar seus efeitos, para garantir boa estabilidade da cerveja/evitar permanent haze. Nesta etapa diversos produtos podem ser empregados, contudo, cabe a avaliação do custo-benefício e fatores ideológicos.
Com relação ao custo-benefício, é fácil a avaliação, já o ideológico, é interessante de se pensar com relação a produtos de origem animal, caso não deseje os inserir em sua cerveja.
Existem produtos que servem para os mais diversos gostos. Há opções de produtos de origem animal, de algas e até mesmo argilas empregadas no processo.
O nome do processo é fining, é onde ocorre a limpeza da bebida (não somente cerveja utiliza este tipo de processo, o vinho e hidromel também utilizam, por exemplo) com o auxílio de agentes, não apenas da temperatura e gravidade. Mas como estes agentes funcionam? É muito interessante e simples: por cargas elétricas.
Partículas em suspensão causadoras da turbidez são carregadas eletricamente e os agentes de fining possuem carga oposta à destas partículas, assim promovendo uma interação entre elas e as carregando para o fundo, quando precipitam-se. A forma de aplicação varia de produto para produto e é explicitado pelos fabricantes e fornecedores, então, por fatores regionais, iremos explorar o nosso custo-benefício brasileiro.
Neste ângulo, pode-se concluir que o uso de agentes de fining é passível ser empregado mesmo quando não se é presenciado o chill haze, pois proporciona uma limpidez mais acentuada que o método tradicional. Entramos, agora, numa discussão de viés ideológico que é muito presente em nosso meio: gelatina é coisa de preguiçoso.


2.5 – GELATINA: PREGUIÇA, IMPERÍCIA OU CAPRICHO?

Devido à origem de alguns destes produtos, o mais comum de ser empregado no Brasil é a gelatina bovina. Este é um debate interessante, não somente em termos de eficácia e custo com relação às demais opções, mas também pelo preconceito muito difundido dentre o meio cervejeiro, de que a gelatina é coisa de preguiçoso, ou de gente apressada.
O fato é que a gelatina bovina é somente mais uma das opções de agentes de fining. Seu emprego não demonstra preguiça ou pressa, apenas preocupação em atingir parâmetros.
Quando se olha do ponto de vista de estabilidade, perde-se o sentido em deixar de amenizar os problemas da turbidez não biológica em detrimento de um sentimento de superioridade em produzir cervejas relativamente límpidas somente com o processo de decantação.
Além, claro, como já citado, de que o uso de agentes de fining não é ligado apenas à correção de chill haze, mas também de oferecer uma limpidez de classe à cerveja.


O emprego de gelatina não é nenhum tipo de heresia e, além dos efeitos positivos na cerveja e seu perfil sensorial, pode apresentar algumas outras vantagens, como diminuição do tempo de cold crash, que garante economia de energia, liberação de tanque fermentador e maior rapidez em ter a cerveja pronta.
Portanto, não acredite em quem diz que é demérito o uso de gelatina, pois é grande mérito: demonstra zelo, preocupação e até mesmo humildade. Novas técnicas e métodos estão aí para serem usados, não foi o saudosismo e estagnação que nos proporcionaram mais de 100 estilos de cerveja.


ARQUIVOS

Este artigo foi transformado em PDF, que pode ser baixado clicando aqui.

CONCLUSÃO

Espero que com este artigo tenha fornecido informações suficientes para modificar o processo e garantir uma cerveja mais limpa para todos!

Nos vemos numa próxima, boas brejas, boas brassagens!

Cordialmente, Eric Carbobiach


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