O Malte



O MALTE

1 - O PAPEL DO MALTE

 Quando se fala de malte, refere-se ao malte de cevada. Mas existe o malte de trigo e o malte de centeio, por exemplo, também empregados no processo de produção de cerveja. Existe malte de milho, também. Em suma, todo cereal pode passar pelo processo de malteação. Contudo, segundo a resolução - CNNPA nº 12, de 1978, o chamado "malte" refere-se ao malte de cevada e, os demais grãos maltados, devem levar o nome de "malte + de "nome do cereal"", por exemplo, malte de trigo, malte de centeio e malte de milho (caso queira ler a fundo o que a legislação diz sobre o malte, clique aqui).
 O malte nada mais é que os grãos que passaram pelo processo de malteação, sendo a principal fonte de açúcares e nutrientes da cerveja, contribuindo para cor, aromas, sabores, corpo e espuma, além de fornecer nutrientes essenciais para as leveduras.

Resumo do processo de malteação.
 O malte é empregado no processo de mosturação, onde os grãos, previamente moídos, são colocados em infusão em água, numa temperatura específica, de modo que esta água servirá como meio da atuação de enzimas, do próprio malte, sobre as moléculas de amido contidas nos grãos, transformando-os em açúcares, fermentáveis e não fermentáveis, que serão a fonte de energia para que as leveduras realizem seus processos vitais, gerando álcool etílico, gás carbônico e outras substâncias e darão corpo para a cerveja, respectivamente. Vale lembrar que, durante a mosturação, outros processos são buscados, não somente a sacarificação, contudo, numa visão mais direta, refere-se somente a isto. Durante o artigo sobre o mash discutiremos a respeito dos processos realizados.



2 - TIPOS DE MALTE


 Existem diversas variedades de malte, cada qual com suas funções e características, por exemplo, maltes torrados, que oferecem características de torra e cores escuras, maltes pale, que dão coloração clara e possuem alto poder diastásico (capacidade de converter seus amidos em açúcares), maltes acidificados, que alteram o pH da mostura, dentre muitos outros. 





 Todos estes tipos de malte podem ser divididos, conforme suas funções e características, em dois tipos:
  • Maltes base: constituem a maior parte do grist de maltes, podendo compor até 100%. Possuem alto poder diastásico;
  • Maltes especiais: constituem uma menor parte do grist de maltes e, com exceção do malte de trigo, não podem compor 100% do grist. Trazem características especiais para a cerveja, como cor, aromas, sabores, retenção de espuma, etc.. Possuem pouco ou nenhum poder diastásico, por isto, necessitam ser usados em conjunto com maltes base, para que seus amidos sejam convertidos em açúcares;


 Devido a existência de inúmeros tipos de maltes, surge a dúvida de qual malte empregar na receita, então, vamos tratar disto.


3 - QUAL MALTE USAR?

 Esta é uma pergunta simples e complicada de responder. Simples no sentido de que, como tudo na cerveja, a resposta é "depende" e, neste ponto, começa a complicação. Depende de quê? De diversos fatores, que envolvem desde o guia de estilos que se segue, o estilo que se almeja, as características que você quer ou não colocar na cerveja e, até mesmo e fundamentalmente, quanto isto irá custar.
 Um norte, para que se possa compreender, é que se, por exemplo, o estilo exija cor escura e características torradas x, se usará uma % de malte especial torrado, que dará estas características. Se tiver coloração vermelha, usará um malte que forneça isto. Se o estilo pedir características mais fortes de malte, buscará o tipo de malte que ressalte este toque.

Recorte do guia BJCP, o qual mostra características da cerveja e ingredientes usuais do estilo.
 "Como vou saber de tudo isto?", bom, você pode decorar, o que vai ser chato, ou aprender conforme a prática. Acredito que se baseado num guia de estilos já terá por onde começar. Outro ponto interessante, que é por onde comecei e deixo aqui a dica, é que procure reproduzir receitas já consolidadas por cervejeiros experientes. Desta forma, não se preocupará em buscar quais ingredientes usar e poderá focar em aprender o porquê aqueles ingredientes foram usados.
 Se, por exemplo, fizer uma American Pale Ale, utilizará, numa receita toscamente simples, malte pale ale, lúpulos tipicamente americanos e levedura ale americana, limpa ou levemente frutada. Como sei isto? Bem, primeiramente eu reproduzia isto porque via o padrão em receitas prontas, mas, com o tempo, conforme quis elaborar as minhas receitas, estudei o porquê usavam estes ingredientes base, lendo o BJCP e comparando com as características dos ingredientes em sua descrição.
Recorte do guia BJCP, o qual mostra características de uma American Pale Ale e seus ingredientes base.
 Assim, fazendo este paralelo, relacionando o que se pede no estilo com o que os ingredientes podem fornecer, aprendi como, quando e onde usá-los. Conforme seu número de brassagens aumentar, irá aprender cada vez mais e mais rápido dos estilos que mais fizer. Eu, por exemplo, usei "poucas" vezes maltes torrados, sabendo pouquíssimo sobre eles de cabeça, já maltes pale e de trigo, além de alguns caramelos, tenho um bom rol já incutido na mente.
 Vale lembrar também que o guia de estilos é, como o nome já diz, um guia. Você pode adicionar ingredientes, no caso maltes, para atingir certas características, assim dando um toque pessoal, realizando experimentos e adequando as receitas ao seu paladar.
 Caso tenha um interesse imediato, deixo aqui uma tabela onde poderá aprender um pouco sobre cada tipo malte:

TIPOS DE MALTE

MalteDescrição/UsoCor (EBC)EstilosComposição no GristTipo
Pilsen
Proporciona mosto claro e brilhante.
2.5 – 4Malte base para todo tipo de cerveja.100%Base
Munich
Favorece um caráter típico de cerveja, destacando o aroma e sabor de malte
12 – 18Vários estilosaté 100%Base / Especial
Viena
Aumenta o corpo e proporciona uma cerveja mais dourada
6 – 9 Märzen, Viena100%Base / Especial
Defumado
Proporciona um sabor típico de defumado.
3 – 6Cervejas defumada (Bamber/Rauch)até 100%Base / Especial
Pale Ale
Produz cervejas ale ou lager.
5,5 – 7,5Apropriado para todas as cervejas, exceto as mais claras.100%Base / Especial
Trigo Claro
Contribui para o aroma típico das cervejas de trigo
3 – 5Cerveja de trigo em geralaté 100%
(dependendo dofabricante)
Base / Especial
Trigo Escuro
Contribui para os aroma típico das cervejas de trigo adicionando cor.
14 – 18Kölsch, Albier, Schankbier, Weizenbockaté 40%Base / Especial
Malte de Centeio
Proporciona um paladar aromático típico de malte de centeio, podendo ser usado como malte base.
4 – 10Cervejas especiais com centeioaté 50%Base / Especial
Carahell
Contribui para o aumento do corpo, mas com uma adição mínima de cor, proporcionando uma leve doçura de caramelo. Influencia positivamente na espuma da cerveja.
20 – 30Vários estilos10 – 15%Caramelo
Carared
Contribui para o aumento do corpo, adição de cor avermelhada a cerveja e uma leve doçura de caramelo
40 – 60Bock, Âmbar, Red Ales, Ales escocesas e vários outros estilos.até 25%Caramelo
Caramunich I
Contribui para o aumento do corpo, adição de cor avermelhada a cerveja, intensifica o aroma de malte e traz uma leve doçura de caramelo.
80 – 100Vários estilos5 a 10% para cervejas escuras e 1 – 5% para cervejas claras e levesCaramelo
Caramunich II
Contribui para o aumento do corpo, adição de cor avermelhada a cerveja, intensifica o aroma de malte e traz uma leve doçura de caramelo.
110 – 130Vários estilos5 a 10% para cervejas escuras / 1 – 5% para cervejas claras e levesCaramelo
Caramunich III
Contribui para o aumento do corpo, adição de cor avermelhada a cerveja, intensifica o aroma de malte e traz uma leve doçura de caramelo.
140 – 160Vários estilos5 a 10% para cervejas escuras / 1 – 5% para cervejas claras e levesCaramelo
Caraaroma
Contribui para o aumento do corpo, adição de cor avermelhada profunda a cerveja e uma leve doçura de caramelo
350 – 450Bock, Stours, Porters e vários outros estilos.até 15%Caramelo
Caraamber
Adiciona mais cor (avermelhada) e doçura de caramelo, que o Carared
60 – 80Bock, Red Ale, Ale Ambar e vários outros estilos.até 20%Caramelo
Carapils
Favorece a formação e a estabilidade da espuma da cerveja, além de contribuir para o corpo da mesma
2,5 – 6,5Indicado para cervejas encorpadasPilsen 5 a 10% / 40%Caramelo
CARABELGE
Proporciona um suave paladar de caramelo e contribui para uma coloração de “mel”.
30 – 35Tripel, Dubbel, Blond e outros estilos.até 30%Caramelo
CARABOHEMIAN
Proporciona um intensivo aroma de malte caramelo e contribui com cor para cervejas escuras.
170 – 220Porter, Stout, Bock e vários outros estilos.até 15%Caramelo
CARAWHEAT
Aumenta o corpo e intensifica o aroma típico do malte de trigo, além de contribuir com cor para cervejas mais escuras.
100 – 140Ales e Trigo.até 15%Caramelo
Munich II
Reforça o aroma maltado e contribui para uma cor forte na cerveja
20 – 25Cervejas escuras, Munich e Pretasaté 100%Especial
Melanoidina
Contribui para uma coloração avermelhada e para a estabilidade do paladar e do corpo da cerveja. Levemente torrado, também proporciona um leve toque de biscoito/tostado.
60 – 80Bock, Âmbar, Red Aleaté 20%Especial
Acidificado
Contribui para a redução do pH do macerado e intensificação da fermentação e cores.
3 – 6Poder usado em diversos estilosaté 5%Especial
Biscuit Malt
Proporciona um aroma de “biscoito” e coloração âmbar-marrom claro.
50IPA, Amber Ales, Brown Alesaté 15%Especial
Abbey Malt
Proporciona um sabor intensivo de malte.
40 – 50Trapistas, Blond, Oktoberfest e outros estilos.até 20%Especial
Trigo Torrado
Intensifica o aroma típico de cervejas escuras de alta fermentação e contribui para dar cor a cerveja. Proporciona suave aroma de defumado.
900 – 1200Cervejas escuras de trigo.1 – 5%Torrado
Carafa I
(Chocolate)
Contribui para o aumento da cor em cervejas escuras, adicionando um acentuado agradável de tostado
800 – 1000Cervejas Escuras1 a 5%Torrado
Carafa II
Contribui para o aumento da cor em cervejas escuras, adicionando um acentuado sabor torrado
1100 – 1200Cervejas Escuras1 a 5%Torrado
Carafa III
Contribui para o aumento da cor em cervejas escuras, adicionando um acentuado sabor torrado
1300 – 1500Cervejas Escuras1 a 5%Torrado


4 - QUANTO USAR DE MALTES ESPECIAIS?

 Esta é uma pergunta difícil. Isto varia conforme o poder diastásico que os maltes base e os especiais da receita podem oferecer. Conforme descrito, o poder diastásico é a capacidade que as enzimas do malte tem de converter a quantidade de amidos contidos nos grãos em açúcares.
 Maltes especiais possuem pouco ou nenhum poder diastásico, portanto, precisam ser utilizados em conjunto com maltes base para a conversão. Sendo assim, caso utilizemos uma quantidade muito alta de maltes de baixo poder diastásico, pode ocorrer de que não haja enzimas o suficiente nos grãos para realizar a sacarificação completa.
 Portanto, é de suma importância que se tenha controle da % de maltes especiais no grist (lembre-se que malte de trigo pode ocupar até 100% do grist, sendo uma exceção). Empiricamente é convencionado que se utilize no mínimo 80% de maltes base e no máximo 20% de maltes especiais, em receitas que serão aplicados os maltes especiais. Este número permite que você tenha plena segurança na utilização dos maltes e obtenção de uma conversão satisfatória.



 Existem maltes especiais que possuem características de base, com poder diastásico suficiente para que se auto-convertam e, neste caso, é permitido que se exceda este valor. Outro ponto importante é que, caso deseje aumentar a % no grist de maltes de pouco ou nenhum poder enzimático, há a possibilidade de se usar o malte diastásico, assim enriquecendo a solução em enzimas que irão atuar. De qualquer modo, esta é uma situação rara, haja visto que maltes especiais agregam suas características em baixas quantidades.
 A fins de curiosidade, rapidamente abordando o tema, o poder diastásico é expresso em duas unidades °L (graus Lintner) e WK (Windisch–Kolbach). Por exemplo: uso um malte Pale Ale que possue 90,3°L. Ok, mas o que isto significa? Bom, um número acordado é que, para que um malte se auto-converta, deva possuir no mínimo 35°L de poder diastásico. Outro ponto forte é relacionado a cor do malte, haja visto que, durante o processo de malteação, na produção de maltes que forneçam cor acima de 50 EBC, as enzimas são perdidas completamente ou em grande parte, assim fazendo com que se necessite de maltes base no grist.
 No exemplo que dei, o malte Pale Ale que uso possui bem mais que 35°L de poder diastásico, sendo assim, ele tem capacidade de converter os amidos dele mesmo e de outros maltes que componham o grist e possuam baixa capacidade enzimática.

CONCLUSÃO

 Existe uma gama de maltes que trazem as mais variadas características e decorar isto é muito trabalhoso e cansativo, até desagradável. Então, sugiro que busquem receitas prontas ou se baseiem em guias de estilo para verificar quais maltes são usualmente empregados e, caso queiram inovar, verificar quais características o estilo abrange, comparando com a tabela acima do que cada malte pode oferecer, assim podendo incrementá-los em sua receita, sempre, claro, respeitando o máximo no grist (passar um mínimo não será algo mortal), pois, ao adicionar mais, pode comprometer a brassagem e perfil sensorial da cerveja pronta.
 De início, foquem nos maltes base, com pequenos ajustes de cor, e estudem o porquê cada malte foi aplicado em determinada receita. De resto, preocupações somente durante a utilização dos grãos na brassagem!

 No próximo post tratarei sobre os lúpulos! Vejo vocês lá!



Abraço a todos! Boas brejas e boas brassagens!

Cordialmente, Eric Carbobiach

0 COMENTÁRIOS